O que é a teoria materialista da conexão processual e como ela dialoga com a análise econômica do direito?

Pessoal,

O tema dessa semana mitiga um ponto basilar no edital de qualquer concurso de procuradorias, que é a conexão de processos, ponto inicial nos estudos de Processo Civil, com um conhecimento mais avançado, com cara de segunda fase, a respeito da Análise Econômica do Direito (sobretudo porque tal tópico vem ganhando espaço nos julgamentos do STF nos últimos anos).

Passemos então, à explicação de como esses temas se relacionam. O objetivo é fazer com que o aluno possa compreender os institutos de forma ampla e integrada, mantendo um “pensamento em árvore” e saindo da zona linear de estudos. Saber correlacionar seus conhecimentos também é importante na hora de elaborar uma boa resposta escrita, e a chave para isso é treinar. Então vamos lá:

A teoria materialista pressupõe a conexão de processos com idêntica questão de fundo de direito, mesmo que não haja identidade de partes ou conexão entre os processos, mas simplesmente por haver a possibilidade de decisões conflitantes criarem certa insegurança jurídica. Ela está positivada no§3º do art. 55 do CPC, ao prever que “serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.

Assim, verificada a conexão, os processos serão reunidos para julgamento simultâneo perante o juízo prevento (art. 58 do CPC), ou seja, aquele onde ocorreu o primeiro registro ou distribuição da petição inicial (art. 59 do CPC), salvo se um deles já houver sido sentenciado (art. 55, §1º, do CPC c/c Súmula 235 do STJ, segundo a qual “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”). EM UM CASO CONCRETO, ajuizadas, perante juízos distintos, sucessivas ações judiciais que possuem causa de pedir idêntica, poderia o Procurador do Município postular em sua contestação – caso ainda não determinada de ofício por algum dos julgadores – a reunião dos processos por conexão, na forma dos arts. 337, VIII, e 55, caput, do Código de Processo Civil. Tal medida não apenas prestigiaria a eficiência e a isonomia na solução dos diferentes casos, como também geraria redução de custos, evitando que os réus tivessem que litigar perante juízos distintos, praticando múltiplos e repetidos atos processuais.

Neste ponto, a eficiência promovida pela reunião dos processos dialoga com a chamada Escola da Law and Economics, cuja origem repousa no pensamento dos americanos Gary Becker (1950) Ronald Coase (1960) e, posteriormente, com Richard Posner e Cass Sustein, principalmente, da linha de pensamento da Análise Economica do Direito.

Para esses autores, basicamente, o Direito não pode ser pensado de forma isolada das demais ciências, sobretudo porque afeta diretamente economia e política, motivo pelo qual os conhecimentos e técnicas utilizados nessas áreas devem compor, de certa maneira, a racionalidade jurídica. Por assim pensarem, os autores defendem uma mitigação do acesso à justiça pautada na análise de custos e resultados, criando certa métrica para aumentar a previsibilidade nos resultados do judiciário, aumentando assim, as chances de êxito e a segurança jurídica pela confiabilidade dos dados obtidos com o estudo.

No Brasil, a doutrina processualista vem defendendo essa abordagem sobretudo após o CPC de 2015, o “Código Fux”, que encampou diversos posicionamentos dessa vertente de pensamento da Escola de Chicago, muito em razão das influências do Ministro Luiz Fux e outros adeptos à linha. Em recente obra publicada em conjunto com Bruno Bodart, o Ministro traz o conceito de “preço de reserva” para se referir ao resultado do cálculo matemático a que se chegou o advogado antes de ingressar com a ação. Esse tal preço seria, basicamente, o valor necessário para que réu e autor de eventual litígio aceitassem não ingressar com um processo, e sim transacionar seus interesses de modo autônomo à máquina do judiciário.

O conceito de “preço de reserva” seria resumido no menor valor que o autor está disposto a aceitar para não ajuizar ação que, para ele, equivale ao valor do julgamento esperado. Para o réu, esse valor leva em conta a sucumbência também.

Vale mencionar que, conforme sustentam Fux e Bodart, existe uma condição necessária para que o acordo seja viável: preço de reserva do autor deve ser menor do que o do réu, assumindo que as partes estão neutralidade em relação ao risco. Ou seja, uma composição consensual será possível quando o autor estiver disposto a receber um valor menor do que o que o réu está disposto a gastar. Essa diferença entre os preços de autor e réu é a chamada zona de acordos.

E qual seria a vantagem econômica para o ente público? Menos litigiosidade, o que levaria a menos processos nos tribunais, menos custo com serviços, menos concurso para servidores e carreiras de apoio técnico, menos tempo com processos repetidos e de fácil compreensão. Nas palavras dos autores:

“(…) o Direito Processual enfrenta um tradeoff: aumentar o nível de elementos probatórios para que o processo passe à fase seguinte gera uma diminuição de custos, pois menos causas, apenas aquelas prima facie mais robustas, terão sequência; por outro lado, serão excluídas de plano pretensões cujo bom direito poderia ser demonstrado com instrução probatória nas etapas posteriores. Por outro lado, diminuir o rigor na admissão de causas pode facilitar o ingresso no sistema de demandas frívolas – aquelas que poderiam ser tiradas a um baixo custo, mas passam a fazer jus a uma análise mais aprofundada e dispendiosa.”  (FUX, Luiz; BODART, Bruno. Processo civil & análise econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2ª Ed., 2021).

Assim, a conexão de demandas facilitaria o deslinde célere e coerente do caso, bem como a existência de filtros processuais (como a análise de legitimidade e interesse, ou verificação de existência de precedente vinculante prévio na matéria) podem levar a uma redução do trabalho do judiciário, aumentando a eficiência do aparato do Estado, que com a redução de processos poderá se ocupar daqueles que, de fato, não possuem solução pré-determinada e nem condições de resolução amigável entre as partes, através do pagamento do “preço de reserva”.

Por fim, a conexão material não é sinônimo de análise econômica do direito, mas sim espécie de aplicação dos pressupostos lógicos dessa dogmática de justiça processual na prática, trata-se, então, de um exemplo dentre inúmeros outros. Ressalte-se, ainda, que o método proposto pela análise econômica não é perfeito, possuindo também riscos quanto ao favorecimento de uma parte a quem o direito não estaria tão favorável, o que poderia ocorrer por uma assimetria informacional ou econômica na hora de realizar o acordo. Nesse sentido, importante ter em mente o pensamento crítico de que a análise econômica pode reduzir os custos e aumentar a confiabilidade, a segurança jurídica e a eficiência do Poder Judiciário e no sistema em geral, mas não é imune a erros.

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